sábado, 30 de agosto de 2014

O ESPIRITO SANTO EM ATOS DOS APOSTOLOS


  

                         O ESPÍRITO EM ATOS DOS APÓSTOLOS

 NOTAS, STANLEY M. HORTON, O QUE A BIBLIA DIZ SOBRE O ESPIRITO SANTO, CPAD, RIO DE JANEIRO , 2000

Atos dos Apóstolos, de início, registra que a obra de Jesus foi continuada pelo Espírito Santo, através dos apóstolos. Eles, no entanto, não predominam no livro dos Atos, mas o Espírito Santo.O Jesus é o assunto principal nos evangelhos e, em comparação, pouco é dito sobre o Espírito Santo. Mas, em Atos, o Espírito Santo é o Consolador, Ajudador e Mestre. Tudo na vida e na pregação dos apóstolos e dos crentes primitivos se centralizava em Jesus como Salvador vivo e Senhor exaltado. O desejo de estender o Evangelho até os confins da Terra era de Cristo (1.8). Mas o poder para realizá-lo era do Espírito Santo, igual ao de Cristo.(2) Mesmo assim, per­corre pelo livro uma nova consciência do Espírito Santo. Provinha, não somente da sua experiência pentecostal inicial, mas da consciência diária da presença, da orientação e da comunhão do Espírito e de muitas manifestações do seu poder. O batismo com o Espírito Santo nunca se tornou em mera lembrança de alguma coisa que ocorrera no passado distante. Era uma realidade sempre presente.(3)

Jesus preparou, através do Espírito Santo os apóstolos. Mas isso não significa que o Espírito não pudesse operar através de outras pessoas, ou que a direção da Igreja fosse entregue aos apóstolos. O Espírito Santo comandaria tudo. Ele usaria a quem desejasse. Muitos discípulos levaram o Evangelho por onde passavam, após a morte de Estêvão, ao passo que os apóstolos permaneceram em Jerusalém (Atos 8.1,4; 11.19-21). Ananias foi enviado para impor as mãos sobre Saulo de Tarso (9.10,17). Tiago, irmão de Jesus, que não era apóstolo, teve sua proposta aprovada no Concilio de Jerusalém, e assumiu a direção da igreja em Jerusalém, no decorrer do tempo (Atos 15.13; Gálatas 2.12).

O livro de Atos demonstra, no entanto, que os apóstolos foram as primeiras testemunhas da Ressurreição e dos ensinos de Jesus. As condições impostas para a seleção de um sucessor de Judas esclarecem isso, pois precisava ser um dos que costumeiramente reuniram com os doze e viajavam com eles durante o ministério terrestre de Jesus, de modo que pudesse ser testemunha dos ensinamentos de Cristo. Tinha, também, de ser testemunha da Ressurreição e da doutrina que Jesus ensinou após esse evento (Atos 1.21-25). Paulo fala de seu apostolado, não pelo fato de ter sido enviado por Cristo "(apóstolo é um enviado com uma comissão), mas por ter sido testemunha, em primeira mão, tanto da Ressurreição como das palavras de Jesus. Ele não recebeu dos homens o Evangelho que pregava, mas do Senhor Jesus (Gálatas 1.11,12,16-19; 2.2,9,10). Na realidade, ele freqüentemente chamava a atenção ao fato de que podia provar o que dizia, citando declarações de Jesus (1 Coríntios 7.10).

Além disso, as visitas dos apóstolos não eram uma supervisão ou uma sanção apostólica, mas um desejo de estabelecer igrejas. Foi assim que Pedro e João ajudaram a Filipe (8.14). Mas não disseram o que ele deveria fazer em seguida. Primeiramente, um anjo, e depois o Espírito Santo deu-lhe orientação (8.26,29). Quan­do alguns discípulos, cujos nomes não são mencionados, levaram o Evangelho aos gentios em Antioquia, Barnabé foi enviado para ajudá-los. Ele também era apóstolo (14.14), mas a ênfase recai no fato de ser um homem bom e cheio do Espírito Santo e de fé (11.24). Logo, era o Espírito Santo, e não os apóstolos, quem dava a orientação. Por essa razão, temos razões justificáveis para nos referir a este livro como os Atos do Espírito Santo.

Desde o princípio, percebe-se a preeminência do Espírito Santo. Não somente as últimas palavras de Jesus foram dadas mediante o Espírito Santo, mas também essas instruções tinham a ver com Ele.

Jesus solicitou que eles não saíssem de Jerusalém (Atos 1.4). O derramamento no dia de Pentecoste jamais teria tido aquele efeito, nem teria atraído tanta atenção, se apenas cinco ou seis pessoas tivessem permanecido. Jesus queria que a Igreja tivesse um bom começo. Além disso, o livro dos Atos ressalta repetidas vezes a união de um agir "unanimemente", de maneira que o Espírito Santo cumpria a oração de Jesus em João 17. Era importante que os discípulos estivessem juntos num só lugar, a fim de que essa união fosse fomentada e suas bênçãos concretizadas.


A Promessa do Pai

Em seguida, Jesus mandou-lhes esperar a promessa do Pai, identificada com o batismo no Espírito Santo. É assim chamada, porque foi Ele quem providenciou o derramamento prometido, conforme Jesus já lhes ensinara. Ele pediria ao pai e este enviaria o Espírito Santo.

É chamado de batismo para lembrar-lhes a profecia de João Batista, registrada em todos os quatro evangelhos, de que Jesus os batizaria com o Espírito Santo. Embora seja o Pai quem envia o Espírito Santo, o Filho participa nessa obra, conforme já vimos, e é Ele o Batizador. O nome "batismo" é usado, também, para compará-lo com o de João e, ao mesmo tempo, para distingui-lo daquele. João batizava nas águas. Jesus, com o Espírito Santo. O crente deve submeter-se a Jesus, entregar-se a Ele, antes de ser batizado. Mas o contraste entre a água e o Espírito é grande em todos esses textos. O batismo de Jesus nada tem a ver com a água.

O batismo de João era mera preparação para a nova dispensação do Espírito Santo, ao passo que o batismo de Jesus realmente é uma parte dela. Alguns pensam que a expressão "batismo no Espírito Santo" não é usada nas epístolas a respeito dos crentes, e limitam o batismo com o Espírito Santo à própria inauguração da nova dispensação no dia de Pentecoste. Supõem, também, que outras referências em Atos ao batismo com o Espírito Santo sejam meramente uma extensão daquela inauguração, primeiramente aos samaritanos (onde é subentendido em Atos 8.15,16), e depois aos gentios na casa de Cornélio (11.16).(4)

Baseados nisto, alguns entendem que o batismo com o Espírito Santo foi dado uma só vez, e que não houve mais batismos, senão "enchimentos". Supõem que Deus supriu à Igreja com o Espírito Santo de uma só vez. Interpretando desse modo, a Igreja seria a fonte de onde tiramos as reservas do Espírito.(5)

Deus, no entanto, não deu o Espírito Santo no propósito de colocá-lo na Igreja como se Ele estivesse separado do Céu, ou no sentido de doá-lo. Quando recebemos o Espírito Santo, não há falta dele no Céu. Ele está no Céu, na Igreja e em nossos corações ao mesmo tempo. Deus é o Doador, e Jesus, o Batizador. A Igreja não é um reservatório que recebeu uma única doação do Espírito, para todo o sempre. (6) Jesus pede ao Pai, à medida que nos apresentamos e este nos concede o Espírito Santo. É importante lembrar que o batismo com o Espírito é imersão num relacionamento com uma pessoa divina, e não em um fluido ou numa influência. É um relacionamento que pode continuar a crescer e expandir-se. Sendo assim, o batismo é apenas um começo, um envolvimento num ato distinto de obediência e de fé, da nossa parte.

Mas o que aconteceu no dia de Pentecoste não foi somente batis­mo. Muitos outros termos são empregados, pois o Espírito Santo é uma pessoa, e o batismo pode retratar um só aspecto da experiência. A Bíblia emprega freqüentemente uma variedade de figuras de lin­guagem para ressaltar vários aspectos da experiência e do relacio­namento. A Igreja é uma noiva, uma esposa, um corpo, um edifício, um templo, uma vinha, uma videira, uma coluna e uma assembléia de cidadãos. Nenhuma figura de linguagem pode, isoladamente, ressaltar tudo quanto ela é. Os cristãos são filhos, herdeiros, adotados, renascidos, nova criação, servos, amigos, irmãos. Da mesma forma, nenhum termo isolado pode ressaltar todos os aspectos dos nossos relacionamentos. Logo, nenhum termo isolado pode ressaltar todos os aspectos do que aconteceu no dia de Pentecoste.(7)

Foi, de fato, um batismo, mas a Bíblia também diz que foi um enchimento. "E todos foram cheios do Espírito Santo" (2.4). Foi um derramamento do Espírito sobre eles, conforme profetizou Joel (2.28-32). Foi um recebimento (uma aceitação ativa) de uma dádiva (2.38); um cair sobre (8.16; 10.44; 11.15); um derramamento do dom (10.45); e uma vinda sobre (19.6). Com todos esses termos empregados, é impossível supor que o batismo se refira a algo diferente de enchimento ou plenitude, ou que a experiência pentecostal foi limitada ao dia de Pentecoste. Nem devemos supor que a falta do uso da expressão "batismo no Espírito" nas Epístolas é relevante.

Talvez seja possível, porém, ver no termo batismo outra comparação com João Batista. Ele continuava a batizar nas águas, enquanto as pessoas vinham a ele pedir o batismo. Devemos reconhecer que o batismo é algo que acontece aos indivíduos. Embora todos fossem cheios no mesmo momento no dia de Pentecoste, a própria plenitude foi uma experiência individual. Devemos esperar, portanto, que Jesus, tendo em vista a profecia de João Batista, continue a batizar com o Espírito Santo, enquanto os cristãos venham a Ele para recebê-lo.


Esperando

A ordem de Jesus, para que os discípulos não se ausentassem de Jerusalém, foi necessária somente para essa ocasião. Não havia mais necessidade de protelação, depois do dia de Pentecoste. Mas o Pentecoste, com seu simbolismo de colheita, era importante no que o propósito do batismo no Espírito era poder para o serviço, especialmente nas searas deste mundo (1.8).

Foi um período de preparação? Alguns entendem assim. Mas a evidência é que a preparação foi feita durante os 40 dias, pelo próprio Jesus. Ele os ensinou, lidou com Pedro, renovou a comissão deles, e depois ordenou-lhes que não iniciassem o ministério até que fossem revestidos de poder. Esse não era um empreendimento humano. Não deviam empregar sua própria engenhosidade para conquistar novas maneiras de difundir o Evangelho. Deviam ser guiados pelo Espírito Santo que assumiria o comando.

Dedicaram-se às orações e súplicas no período de espera; todos participavam unanimemente. Já estavam unidos uns com os outros em Cristo (1.14). Todos continuavam alegres e (especialmente nas orações da manhã e da tarde) estavam continuamente no Templo, louvando e bendizendo (agradecendo) a Deus (Lucas 24.52). O Espírito Santo já operava na vida deles, mas ainda esperavam pelo batismo, o revestimento de poder (Lucas 24.49).

Além disso, dedicavam-se à Palavra, e o Espírito Santo, que falou por intermédio de Davi, dirigiu-lhes para a profecia sobre Judas (1.16). Quando o Espírito Santo dirige a atenção à Palavra, espera que ela seja correspondida, e, portanto, eles fizeram algo a respeito e escolheram Matias como substituto de Judas. (Alguns argumentam que essa escolha foi precipitada, pois Matias não é mais chamado pelo nome. Mas a maioria dos discípulos também não é mencionada pelo nome em Atos, e Matias, certamente, é incluído como parte dos doze em Atos 6.2).


Vento e Fogo

Não façamos distinção entre as plenitudes do Antigo e do Novo Testamento, nem entre o batismo inicial e "os enchimentos" que se seguem. Embora a experiência pentecostal fosse um avanço singular, nem o livro de Atos nem as epístolas paulinas contêm qualquer sugestão de que o Espírito Santo fosse diferente do Espírito de Deus que atuou nos santos do Antigo Testamento.(8)

Os sinais que antecederam o derramamento pentecostal fazem uma conexão entre ele e as experiências do Antigo Testamento, bem como com as promessas daquela aliança. O dia de Pentecoste era a festa da colheita dos frutos da terra. Para a Igreja, marcava o dia em que a colheita espiritual, esperada há tanto tempo, começaria. Mas, antes de vir o derramamento do Espírito Santo, dois sinais incomuns estabeleceram maior relação com o simbolismo do Antigo Testamento. Primeiro, vem do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso. Embora não houvesse vento físico, o som encheu a casa. No Antigo Testamento, o vento era um símbolo constante do Espírito Santo. O som de um vento impetuoso, de um vento que traz em si poder, sugere que era mais do que "o respirar do Espírito" na regeneração que traz a nova vida. Mais uma vez, trata-se do poder para o serviço.

Surgiram, então, "línguas repartidas como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles". A palavra "repartidas" significa "distribuídas". Apareceu algo semelhante a uma grande chama sobre os discípulos. Em seguida, desfez-se, e repartiu-se em várias línguas que pousaram sobre as cabeças de cada um deles.

Esse não foi, em nenhum sentido, um batismo de fogo. Nem era julgamento ou purificação, como alguns supõem.(9) Tratava-se de pessoas cujos corações e mentes tinham sido abertos para os ensinamentos do Jesus ressurreto, pessoas cheias de alegria e de louvor a Deus, pessoas que já tinham sido purificadas, que já atentavam a sua Palavra, que já estavam de comum acordo. O fogo aqui deve ser relacionado, não com o julgamento ou a purificação, mas com o simbolismo do Antigo Testamento.

O Antigo Pacto registra um progressivo desenvolvimento no tocante à adoração. Antes, era realizada diante de um altar, como no caso de Abraão. Depois, Deus ordenou que seu povo edificasse o Tabernáculo no deserto. O fogo desceu do Céu sobre um sacrifício que ali estava, como prova de que Jeová aceitava o novo santuário. Mas isso só aconteceu uma vez. O evento se repete quando Salomão edificou o Templo. Novamente, o fogo desceu e consumiu o sacrifício, como aprovação daquela obra. Mas também aconteceu uma só vez. Os prédios edificados por Zorobabel e Herodes eram reconstruções do mesmo Templo, de modo que o sinal não mais se repetiu.

O Templo estava para ser destruído. (Deus concedera-lhe mais alguns anos de existência, até 70 d.C.) Os cristãos, unidos fraternalmente, eram sacrifícios vivos (Romanos 12.1), além de sacerdotes e pedras vivas para o Templo (1 Pedro 2.5). Este novo edifício tem duplo sentido. O Corpo dos cristãos em união é o templo (santuário) para a habitação de Deus, pelo seu Espírito Santo (Efésios 2.21,22; 1 Coríntios 3.16). Além disso, o corpo de cada um, individualmente, é um templo ou santuário do Espírito Santo (1 Coríntios 6.19). A aparência do fogo veio sobre o grupo, para indicar a aceitação, por Deus, do Corpo Místico como um templo. Depois, repartiu-se, como línguas sobre cada cabeça, para demonstrar a aceitação, por Deus, do corpo de cada um deles como um templo do Espírito Santo.

Esses sinais não faziam parte do batismo pentecostal, nem dos dons do Espírito. Não foram repetidos, da mesma forma que o fogo veio uma só vez sobre cada santuário nos tempos do Antigo Testa­mento. Na casa de Cornélio, as línguas de fogo não estavam pre­sentes, embora Pedro tenha identificado a experiência com a pro­messa de Jesus de que seriam batizados com o Espírito Santo, e o tivesse chamado "o mesmo dom", idêntico com o que os 120 rece­beram quando o Espírito Santo foi derramado no Pentecoste (Atos 11.15-17). As línguas de fogo mostram que antes de o Espírito Santo ter sido derramado, os crentes foram reconhecidos por Deus como o templo, o corpo de Cristo. A Igreja agora estava em plena existência, tendo o Cristo glorificado como sua Cabeça. Os membros do Corpo agora estavam prontos para receber a promessa.


Todos Foram Cheios

Em algumas denominações, muitas pessoas supõem que o batismo com o Espírito Santo no dia de Pentecoste e o falar em outras línguas foram limitados aos 12 apóstolos. Mais do que 12 línguas foram faladas, no entanto.(10) A ênfase do derramamento sobre toda a carne exclui essa limitação. Todos os 120 presentes foram cheios, todos falaram noutras línguas, e o som das línguas foi "publicamente conhecido" (2.6). Pedro também, ao falar perante uma grande multidão em Jerusalém depois da experiência na casa de Cornélio, disse que veio sobre eles o mesmo dom "que a nós, quando havemos crido no Senhor Jesus Cristo". Isso sugere que o Espírito Santo caiu da mesma maneira, não somente sobre os apóstolos e o restante dos 120, mas também sobre os 3.000 que creram, depois de Pedro ter pregado a mensagem no Pentecoste. Fica claro que essa experiência não era para a minoria favorecida.(11).


Outras Línguas

Um só sinal fazia parte do batismo pentecostal. Todos os que foram cheios do Espírito Santo começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. Isso quer dizer que faziam uso das suas línguas, dos seus músculos. Falavam. Mas as palavras não brotavam das suas mentes ou do seu pensamento. O Espírito lhes concedia que falassem, e expressavam as palavras com ousadia, em voz alta, e com unção e poder.

Isso é interpretado de várias maneiras. Alguns se detêm no versículo 8 ("Como pois os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos?") e supõem que todos os discípulos falaram em sua língua materna, aramaico, e que se tratava de um milagre de audição ao invés de fala. Mas os dois versículos anteriores são muito claros. Cada um os ouvia falar na sua própria língua, sem o sotaque galileu.

Outros chegam a um meio-termo, e dizem que os discípulos fala­vam em línguas desconhecidas, que o Espírito Santo interpretava nos ouvidos de cada um dos ouvintes em sua própria língua. Mas Atos 2.6,7 exclui essa interpretação, também. Os 120 falavam em idio­mas que foram compreendidos por pessoas de diversas nações. Esse fato testemunhou a universalidade do dom e da unidade da Igreja.

Outro equívoco é a suposição de que essas línguas eram propícias para a pregação e o ensino do Evangelho, a fim de favorecer sua rápida disseminação. Mas não há evidência de semelhante emprego de línguas. Teria sido útil para Paulo em Listra, onde ele não entendia o idioma, e tinha de pregar e ensinar em grego (Atos 14.11-18).

No dia de Pentecoste, o falar em outras línguas realmente atraiu a multidão, mas o que foi ouvido não consistia em discursos nem pregações. Tratava-se, pois, das grandezas (obras grandiosas, magníficas, sublimes) de Deus. É possível que houvesse exclamações de louvor, dirigidas a Deus. Certamente era adoração, e não pregação. Se fosse pregação, teria levado à salvação de pelo menos alguns (1 Coríntios 1.21). Mas ninguém foi salvo por causa das línguas.

Pelo contrário, as pessoas se maravilhavam (ficaram atônitas) e em suspense (perplexas, sem jeito), totalmente sem compreender de que se tratava (2.12). Entendiam o significado das palavras, mas não o propósito. Ficaram confusas com o que ouviram.

Outros começaram a zombar, dizendo que os que falavam (homens e mulheres) estavam cheios de vinho (não suco de uva, mas de um vinho inebriante, feito de uva doce). O alvo da zombaria deles era o que ouviam. Há quem fala bastante, e em voz alta, quando bebe. Não devemos, no entanto, supor que havia algum tipo de frenesi que caracterizava a devassidão das bebedeiras pagas. Os 120 mantinham pleno controle das suas faculdades. Sua emoção principal ainda era alegria. E todos pararam de falar, quando os apóstolos se puseram de pé.

A medida que os 120 falavam em línguas, a zombaria aumentava; por isso, Pedro levanta-se e começa a falar (2.15). À proporção que a multidão crescia, ficou mais difícil distinguir cada idioma. É possível, também, que muitos, os quais se ajuntaram à multidão, não estavam perto de quem falava um idioma que lhes era compreensível. Com a confusão, cessaram-se as línguas, uma bênção para os cristãos, um sinal para os incrédulos, mas não realizaram, nem poderiam realizar, a obra do Espírito Santo, a de convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo. Até esse momento, somente os cristãos haviam recebido a plenitude. O Espírito Santo, que os levou a glorificar a Deus em outras línguas, revelou-lhes as verdades aos seus corações, de modo que sua alegria e emoção brotavam de uma renovada apreciação de Deus e de Cristo.(12)

A obra do Espírito Santo, de convencer o mundo, começou quando Pedro se colocou em pé e falou. O que proferiu não foi um sermão. Ele não o estudou, nem se preparou, nem fez três divisões em sua preleção. "Levantou a voz" traduz o mesmo verbo que é usado em 2.4, quando o Espírito Santo concedia que falassem em línguas. Desta vez, porém, o Espírito Santo usou Pedro em seu próprio idioma, o aramaico, que a multidão entendia. Em outras palavras, em vez de um sermão, era a manifestação do dom de profecia (1 Coríntios 12.10; 14.3). Os 120 glorificavam a Deus a respeito das suas obras. Porém, Pedro falava aos homens para edificação e exortação (Atos 2.40).


A Profecia de Joel é Cumprida

Depois de provar que os 120 não estavam embriagados, Pedro declarou que o que viam e ouviam (2.33) era o cumprimento de Joel 2.28-32. Parte da profecia registra o que aconteceria com os 120. A promessa sobre o derramamento do Espírito Santo cumpria-se diante dos olhos deles. Filhos e filhas de Israel profetizavam, cheios do Espírito Santo e falavam sob sua unção. (Línguas compreensíveis são consideradas equivalentes da profecia).

A citação de Pedro sobre os sinais de sangue, fumaça e trevas perturba alguns. Muitos os interpretam como simbólicos.(13) Outros supõem que já se cumpriram nas três horas de trevas em que Jesus esteve pendurado na cruz. Parece, no entanto, que os sinais são mencionados como um meio de associar o derramamento pentecostal com o fim dos tempos. Esse dom do Espírito Santo seria as primícias do porvir (Romanos 8.23).

O coração humano irregenerado não tem idéia das coisas que Deus preparou para os que o amam. Mas Ele nos revelou mediante o seu Espírito (1 Coríntios 2.9,10). A alegria, plenamente nossa quando contemplarmos a Jesus, não será novidade. Já a experimentamos, pelo menos em certa quantidade. Todos os que provaram (realmente saborearam) o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo, já experimentaram a boa palavra de Deus, e as virtudes (poderes, milagres) do século vindouro (Hebreus 6.4,5).(14) Joel registra também o juízo e o fim dos tempos. Chegará ao clímax com as multidões no vale da decisão (a decisão de Deus, não a delas).

Baseados nesses fatos, alguns afirmam que a profecia de Joel não se cumpriu no dia de Pentecoste. O profeta, segundo dizem, esperava que o derramamento viesse em conexão com a restauração de Israel e o julgamento no dia do Senhor. Certo escritor declara que Pedro não quis dizer literalmente que "Isto é o que foi dito pelo profeta Joel". Sua intenção era dizer: "Isto é algo semelhante àquilo". Noutras palavras, o derramamento no dia de Pentecoste era apenas semelhante ao que acontecerá no fim dos tempos.(15)

Pedro, no entanto, realmente disse que "Isto é aquilo". Joel, assim como os demais profetas do Antigo Testamento, não sabia a diferença de tempo entre a primeira e a segunda vinda de Cristo. Ele registra tudo no mesmo contexto de livramento e julgamento, assim como fez João Batista. Pedro reconhece que há uma diferença. Mas ele, juntamente com os demais discípulos, não tinha a idéia de que o período de tempo seria tão longo. E Jesus nada lhes contou a respeito (Atos 1.6).

Para Pedro, a era messiânica viria num futuro imediato. Nem se preocupou com o fato de que a totalidade da profecia de Joel, que ele citou, ainda não fora cumprida. Os 120 não sonhavam às 9 horas da manhã. Nem tinham visões, enquanto falavam em línguas (embora isso não seja impossível). É improvável que houvesse algum escravo entre os 120. Mas isso era apenas o começo. O resto viria no tempo certo, inclusive os sinais e juízos profetizados por Joel.

Para ressaltar esse fato, Pedro, sob a inspiração do Espírito Santo, falou do significado da expressão nos últimos dias em Joel 2.28.0 derramamento era para "os últimos dias"; logo, os últimos dias começaram com a ascensão de Jesus (Atos 3.19-21). Noutras palavras, a Bíblia reconhece que a Era da Igreja é "os últimos dias". É a última era antes da restauração de Israel e o estabelecimento do reino de Cristo na Terra, a última era antes dele vir em chama de fogo para tomar vingança dos que não conheceram a Deus e rejeitaram o Evangelho (2 Tessalonicenses 1.7-10).

Mesmo depois de muitos anos, os cristãos primitivos ainda alimentavam essa esperança. A exclamação de Paulo no final de suas viagens missionárias foi: "É já hora de despertarmos do sono; porque a nossa salvação [inclusive a nossa herança eterna] está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé. A noite é passada, e o dia é chegado" (Rm 13.11,12).

Pedro viu, também, que os "últimos dias" trazem a oportunidade para tempos de refrigério. Atos 3.19 pode ser traduzido: "Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para perdão dos vossos pecados, para que venham tempos de refrigério (ou reavivamento) da presença do Senhor, e que Ele envie Jesus Cristo que já vos foi determinado (ou nomeado como vosso Messias)".

A interpretação de Pedro sobre a profecia de Joel demonstra que esperava um cumprimento contínuo da profecia, até o fim dos "úl­timos dias". Isso significa, também, que o derramamento, segun­do Joel, acontecerá até o fim desta era. Enquanto Deus chamar as pessoas à salvação, Ele derramará seu Espírito Santo sobre elas: "Porque a promessa [isto é, a promessa do Antigo Testamento em Joel] vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe; a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar" (At 2.39).

Tendo em vista esse fato, e a promessa de Jesus de que os discípulos seriam batizados com o Espírito Santo, a obra de batizar deveria continuar. Atos 2.38 se refere, na realidade, ao conteúdo da promessa como "o dom do Espírito Santo". Fica claro, então, que o cumprimento da profecia de Joel não se limita ao dia de Pentecoste ou a qualquer outra ocasião.


Que Faremos?

Quando o Espírito Santo convenceu a muitos, e revelou a culpa deles, perguntaram: "Que faremos?" A resposta de Pedro também fez parte do pronunciamento profético do Espírito Santo na forma de exortação: "Arrependei-vos [mudando de opinião e de atitude básica quanto ao pecado, à justiça e ao juízo], e cada um de vós seja batizado em nome de [segundo a autoridade de] Jesus Cristo [conforme é expressada em Mateus 28.19], para [por causa de] perdão dos pecados; e recebereis [tomareis] o dom do Espírito Santo" (At 2.38). Tenhamos em mente que o batismo nas águas é um testemunho, uma declaração, do que já aconteceu no íntimo de cada um. Esse batismo não produz e nem transmite o perdão dos pecados. A expressão grega faz um paralelo com o batismo de João, "para o arrependimento", que significa "por causa do arrependimento", conforme demonstra o contexto.

A palavra de Pedro foi, primeiramente, para o arrependimento, significando a mudança da incredulidade para a fé. Porque creram, foram purificados e perdoados. O batismo nas águas declarou a sua identificação com Cristo na sua morte (Romanos 6.3). Logo, o próximo passo era (tomar, de modo real e ativo) o batismo com o Espírito Santo.


Fazendo Discípulos

Desde o dia de Pentecoste, vemos o Espírito Santo operando na Igreja - no ensino, nos milagres, nas plenitudes, nos batismos, mas, acima de tudo, na disseminação do Evangelho e no estabelecimento da Igreja.

A primeira evidência da obra do Espírito Santo foi a capacitação dos apóstolos a fazer discípulos, verdadeiros estudantes, dos 3.000 que se converteram. Esse discipulado foi desenvolvido mediante vários tipos de experiências: conhecimento da doutrina dos apóstolos, comunhão, partir do pão e orações (Atos 2.42).

Parte dessas atividades realizava-se no Templo, pois muitos crentes o freqüentavam diariamente (Atos 2.46), e os apóstolos lá compareciam todos os dias, ensinando e contando as boas novas de Cristo (do Messias) Jesus (3.1,12-26; 5.42). Mas faziam a mesma coisa diariamente, de casa em casa (5.42).

A doutrina dos apóstolos não era apenas teórica, no entanto. O Espírito Santo era realmente quem ensinava. Ele usava o ensinamento da verdade para levá-los à comunhão cada vez mais estreita, não meramente uns com os outros, mas primeiramente com o Pai e o Filho (1 João 1.3,7; 1 Coríntios 1.9). Essa comunhão também era um compartilhar espiritual, uma comunhão no Espírito Santo (2 Coríntios 13.13; Filipenses 2.1). Pode ter sido incluída, ali, a participação da Ceia do Senhor. Mas a ênfase aqui não recai sobre o ritual. O resultado da obra do Espírito Santo foi levar o povo a uma nova união (Atos 4.32). Conforme indica Ezequiel 11.19, um só coração, a união de mente e de propósito, acompanha a nova experiência no Espírito.(16)

Essa comunhão, essa união no Espírito, deu-lhes fé, amor e solicitude uns pelos outros, que os levava a compartilhar seus bens com os que precisavam. (Ver Tiago 2.15,16; 1 João 3.16-18; 4.7,8,11,20). Nesse sentido, "tinham tudo em comum" (Atos 2.44,45). Não se tratava de comunismo. "Comum" simplesmente significa "repartido". Ninguém dizia: "Isso é tudo meu. Você não poderá ter parte nisso". Sempre que viam um irmão passando necessidade, compartilhavam tudo quanto tinham (4.32). Alguns realmente vendiam propriedades e davam o dinheiro da venda aos apóstolos, para distribuição (2.44; 4.37). Mas não eram obrigados a fazer isso (Atos 5.4).

Boa parte desse compartilhar era realizada na comunhão à mesa. Ao partirem o pão, nos seus lares, dividiam a comida com alegria e simplicidade de coração, louvando a Deus, e gozando do favor com o povo, ou seja, com a maioria da população dos judeus em Jerusalém (Atos 2.46,47). E o Senhor acrescentava à Igreja todos os dias os que iam sendo salvos!

Períodos de oração também marcavam o discipulado deles. Estavam regularmente no Templo, para as orações da manhã e da tarde. Um prolongado tempo era dedicado a oração, quando enfrentavam a oposição e o perigo (Atos 2.42; 4.24-30; 12.5,12).

Os milagres, sinais que indicam a natureza e o poder de Jesus, e maravilhas que mostram a presença de Cristo no meio deles, fortaleciam os crentes. Também fizeram com que o medo, um espírito de temor e reverência, viesse sobre o povo (Atos 2.43). Mas o poder do Espírito Santo, expresso nos milagres, fazia parte da vida espiritual. As pessoas não percebiam que viviam em dois níveis - espiritual e natural. O Espírito Santo envolvia suas vidas por inteiro.

A adoração, a comunhão com Deus, o partir do pão, o evangelismo e os milagres, todas essas coisas concretizavam uma experiência unificada no Espírito Santo.(n)

A atuação do Espírito Santo na maioria dos crentes encorajava, assim, sua obra na minoria. As necessidades e os perigos que tinham em comum levavam-nos a congregar-se juntos. Era necessário o testemunho no Templo. Também era preciso o testemunho nos grupos que se reuniam nos lares. Desde o início, o Espírito Santo os ajudava a manter o equilíbrio sem incorrer nas formas vazias do ritualismo.


Plenitudes Renovadas

Evidência marcante de supervisão na Igreja pelo Espírito Santo era a concessão dos dons espirituais, com o propósito de satisfazer novas necessidades e de enfrentar novos desafios. O livro de Atos cita alguns exemplos destas bênçãos sobre indivíduos em particular, e sobre a coletividade. Por falta de espaço, Atos cita apenas alguns exemplos do que acontecia freqüentemente. A cura do coxo na Porta Formosa é uma amostra dos muitos sinais e maravilhas realizados pelos apóstolos (Atos 2.43; 3.1-10).

O primeiro exemplo de renovação do poder é o de Pedro diante do Sinédrio que condenara Jesus à morte. Amedrontado, Pedro anteriormente negara o seu Senhor. Dessa vez, colocando-se em pé, cheio do Espírito Santo, deu uma resposta que proclamou a verdade e glorificou a Jesus (Atos 4.8,10-12). A forma do verbo grego indica claramente que essa foi de fato, uma nova plenitude. Ervin supõe que não podia ser assim, porque Pedro já recebera a plenitude.(I8) Mas a idéia não é que tenha perdido alguma coisa da plenitude anterior. Deus simplesmente aumentou a sua capacidade e derramou sobre ele o Espírito Santo de novo, com toda a sua sabedoria e poder.

A mesma forma do verbo é usada em Atos 13.9, quando Paulo, "cheio do Espírito Santo", enfrentou Elimas, o encantador, e o repreendeu. Paulo não repreendia usualmente as pessoas dessa maneira. Mas a repreensão era do Espírito Santo, de forma especial. O castigo sobre Elimas foi, portanto, a mão de Deus, o poder divino, e passou a ser a obra do Espírito Santo para convencer o procônsul (governador provincial) de Chipre. Não foi o milagre por si só que o convenceu, no entanto. O acontecido simplesmente deu testemunho do ensino e da pregação, ungidos pelo Espírito, que lhe antecederam (13.7,12).

Depois do primeiro testemunho de Pedro diante do Sinédrio, ele e João "foram para os seus", para o Cenáculo, onde se hospedavam e se reuniam. Então, depois de orarem, "moveu-se o lugar em que estavam reunidos; e todos foram cheios do Espírito Santo, e anunciavam com ousadia a Palavra de Deus" (Atos 4.31). Mais uma vez, a forma do verbo indica uma nova plenitude. O Sinédrio lhes ordenara "que absolutamente não falassem, nem ensinassem no nome de Jesus". Uma nova plenitude lhes deu a ousadia, a coragem e a alegre confiança de falar a Palavra claramente. Aqui, também, a terminologia não é o que importa. Plenitudes renovadas, novos enchimentos, novas unções, novas atuações do Espírito, novas manifestações da mão ou do poder de Deus sempre estão disponíveis nas necessidades.


Lutas Internas

Além das perseguições, a Igreja enfrentava lutas internas. Ananias e Safira tentaram obter prestígio na Igreja ilicitamente. Essa foi a primeira manobra política que, às vezes, coloca igrejas nas mãos de pessoas não-espirituais. Realmente, foi Satanás que encheu seus corações para mentirem ao Espírito Santo, que é a mesma coisa que mentirem a Deus (Atos 5.3,4). O discernimento ou conhecimento de Pedro a respeito do que fizeram foi uma manifestação do Espírito Santo.

O julgamento divino contra eles não somente livrou a Igreja do perigo, mas também insuflou o temor a Deus nos crentes e nos incrédulos. Os cristãos foram despertados para uma nova unidade no Espírito. Os demais cidadãos de Jerusalém não ousaram juntar-se com eles sem mais, nem menos. Mas eram somente os insinceros que sentiam esse medo. Os altos padrões de verdade e de honestidade levavam a maioria do povo a ter os apóstolos em grande estima. Demonstravam isso ao trazerem seus enfermos para serem curados. "E a multidão dos que criam no Senhor, tanto homens como mulheres, crescia cada vez mais" (Atos 5.13-16).


Cheio do Espírito Santo e de Sabedoria

Outra luta surgiu quando queixas e invejas ameaçavam dividir a Igreja (Atos 6.1). A medida que o número dos crentes aumentava, surgiam também as dificuldades. O fundo para o qual Barnabé fizera sua contribuição era usado para ajudar os necessitados. Duas vezes, Paulo trouxera ofertas para reforçar a tesouraria em épocas viúvas não tinham pensão nem emprego. A Igreja, portanto, usava esse fundo para cuidar delas.

Entre elas, havia as que vieram para Jerusalém, provenientes de outros países, e que somente falavam o grego. Como constituíam a minoria, ficaram sensíveis ao que julgavam menosprezo; talvez fossem tímidas quanto ao reivindicar a sua devida parte. Mas, ao chamarem a atenção por causa disso, quase provocaram uma divisão na Igreja.

Os apóstolos, orientados pelo Espírito Santo, pediram a Igreja que elegessem sete homens para cuidar dos necessitados. Deviam ser de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria (prática). O Espírito Santo atuou maravilhosamente nos corações da maioria que os escolhidos pertenciam, segundo parece, à minoria que falava o grego. Todos, pelo menos, tinham nomes gregos, e a possibilidade de as viúvas que falavam o grego serem negligenciadas foi, portanto, dissipada. Essa evidência de sabedoria do Espírito foi seguida por outro crescimento da Palavra de Deus (ou seja: dos seus efeitos), e por mais uma multiplicação da Igreja (Atos 6.7).


Mais Ministérios

Estêvão e Filipe são exemplos de que essa plenitude do Espírito Santo, da sabedoria e da fé levava a mais um ministério (Atos 6.5,8,10). Os sinais e as maravilhas que operavam entre o povo eram nas mesmas proporções dos que foram operados pelos apóstolos (6.8; 8.5-8). Embora o testemunho de Estêvão o levasse à morte, ele permaneceu cheio do Espírito Santo até o fim, e testificou da glória de Jesus como seu Senhor (7.55,56).(19)

Filipe, por outro lado, foi levado pelo Espírito Santo, não somente para testemunhar na S amaria, mas também para evangelizar um eunuco etíope (8.29,38). Um antigo manuscrito grego diz que o Espírito Santo veio, então, sobre o eunuco, e lhe deu outro motivo para continuar jubiloso o seu caminho.(20) Ao mesmo tempo, o Espírito Santo arrebatou e conduziu Filipe até a beira-mar. Passando por Cesaréia, fez dessa cidade seu "quartel-general" para o prosseguimento de seu ministério. Anos mais tarde, era chamado o evangelista. E não negligenciou a evangelização de sua família. Suas quatro filhas eram cheias do Espírito Santo e profetizavam (Atos 21.8,9).

Barnabé também foi chamado um homem bom (nobre, digno), cheio do Espírito Santo e de fé. Ele, também, exerceu um ministério ininterrupto. Sendo assim, não só existiam plenitudes específicas para necessidades especiais; havia uma riqueza contínua, um revestimento constante e poderoso do Espírito Santo, que destacava alguns como cheios do Espírito.(21)


Rompendo Barreiras

Inicialmente, o Evangelho propagou-se somente entre os judeus e os prosélitos. Embora o Antigo Testamento prometesse bênçãos e restauração para todas as nações, os judeus desconsideravam esse fato. Preconceitos de longa data levantavam obstáculos entre eles e os samaritanos, de um lado; e os gentios, do outro. Uma das obras mais importantes do Espírito Santo para a propagação do Evangelho foi o rompimento dessas barreiras.

O primeiro passo foi dado como resultado da morte de Estêvão. Ao invés de impedir o testemunho a respeito de Cristo, a perseguição resultante simplesmente espalhou a chama em todas as direções (Atos 8.1). O livro de Atos menciona uma dessas direções como exemplo. Filipe foi para Samaria. Ali, sua pregação e seus milagres convenceram o povo. Muitos foram batizados nas águas para testemunho de sua fé (8.12). Nenhum deles, porém, recebeu o batismo com o Espírito Santo. Não houve a experiência de o Espírito "descer" sobre eles como no dia de Pentecoste (Atos 8.16,20).

Para os que sustentam que tudo é recebido através do batismo nas águas, este fato apresenta uma dificuldade. Alguns supõem que o Espírito Santo foi recebido e que a deficiência foi corrigida rapidamente. Mas é impossível explicar por que houve essa deficiência nesse caso. Outros supõem que a fé dos samaritanos não era real, ou que não era salvífica até que Pedro e João chegassem e orassem. Filipe, no entanto, era um homem cheio do Espírito e de sabedoria. Ele, com certeza, teria discernimento e sabedoria suficientes para não batizar as pessoas antes que verdadeiramente cressem em Jesus.

Outros sugerem que talvez Filipe não tivesse pregado a eles o Evangelho integral. Porque os samaritanos tinham rivalidade com os judeus, é possível que os preconceitos de Filipe o tenham impedido de contar aos samaritanos a respeito de todos os benefícios que Cristo, como Salvador e Batizador com o Espírito Santo, oferece ao crente. Entretanto, não se pode conceber esta idéia mediante o que achamos em Atos. Os discípulos não seriam capazes de esconder uma parte da mensagem. Disseram: "Não podemos deixar de falar do que temos visto e ouvido" (Atos 4.20). Filipe pregava a Palavra, anunciava a Cristo (8.4,5). Os samaritanos creram no que ele ensinava sobre o reino (soberania) de Deus e do nome (autoridade) de Jesus. Essas coisas estão, muitas vezes, associadas com a promessa do Espírito Santo. Filipe deve ter incluído a exaltação de Jesus ao trono e à promessa do Pai.

O problema parece estar com os próprios samaritanos. Reconheciam que tinham sido enganados, não somente por Simão, o mago, mas também por falsas doutrinas. É possível que, decepcionados, achassem difícil dar o passo seguinte da fé. Quando Jesus deparava com a fé, produzida por sua Palavra. Ele a chamava de grande, e as coisas aconteciam (Mateus 8.10). Quando a fé se colocava acima dos empecilhos e das provações, Jesus a chamava também de grande, e as coisas aconteciam (Mateus 15.28). Mas quando a fé era fraca, Ele não destruía o pouco que havia: Ele a ajudava, às vezes, mediante a imposição de suas mãos.

Quando os apóstolos vieram, impuseram sobre os samantanos as mãos, e eles receberam o batismo com o Espírito Santo (8.15,17). Simão, o mago, ao contemplar isso, recaiu na sua antiga cobiça e ofereceu dinheiro em troca da autoridade de impor suas mãos nas pessoas para receberem o Espírito Santo.

A repreensão que Pedro fez a Simão, porque este pensava que o dom de Deus pudesse ser comprado por dinheiro, é freqüentemente interpretada no sentido do mago desejar colocar o dom à venda. Mas essa explicação não parece encaixar-se nos fatos, pois os após­tolos nada cobravam, pois reconheciam que vinha da parte de Deus. Parece, pelo contrário, que Simão simplesmente queria restaurar o seu prestígio entre o povo, ao tornar-se um distribuidor autorizado do dom do Espírito Santo. Assim como alguns teólogos modernos(22) entendeu erroneamente o que acontecera, e concluiu apressadamente que a imposição das mãos era necessária para o batismo com o Es­pírito Santo. Muitos outros trechos demonstram que não há necessi­dade disso. No Pentecoste e na casa de Cornélio, não houve imposi­ção de mãos. Quando Ananias impôs as mãos em Saulo (o apóstolo Paulo), foi para a cura e não para o batismo com o Espírito Santo (23)

O que Pedro dá a entender é que tudo quanto é necessário para orarmos pelo próximo, é recebermos primeiro para nós mesmos o dom. Simão, ao invés de reconhecer a sua necessidade e pedir ajuda, ofereceu dinheiro para alcançar o dom. Não compreendia esse assunto; não tinha parte nem sorte nele.

Alguma coisa, porém, aconteceu, quando Pedro e João impuseram as mãos sobre os crentes; senão, Simão não compraria algo que surgia da autoridade deles. Simão já vira os milagres de Filipe. O dom da profecia seria exercido no idioma dele, de sorte que o sobrenatural não se destacaria. Permaneceria apenas o que atraiu a atenção da multidão no dia de Pentecoste: O Falar noutras línguas conforme o Espírito lhes concedia que falassem (Atos 2.4,33). As línguas, aqui, não eram a causa do problema. Por isso Lucas nada diz a respeito delas, para chamar a atenção do erro de Simão.

Semelhantemente, Ananias disse que Jesus o enviou, a fim de que Paulo recuperasse a vista e fosse cheio do Espírito Santo (9.17). Mesmo assim, a narrativa que se segue não oferece pormenores a respeito de como Paulo recebeu a plenitude, nem menciona que ele falou noutras línguas. Mas, da mesma forma, nos versículos anteriores que registram as instruções que o Senhor deu a Ananias, Lucas não registra a promessa de que Paulo seria cheio do Espírito Santo (9.11-16). Conforme acontece freqüentemente, Lucas não registra detalhes, principalmente quando algo que aconteceu fica claro noutras passagens. (Por exemplo, ele não menciona o batismo nas águas, quando registra uma conversão). Logo, o que está escrito em Atos 2.4 por certo é aplicável aqui, pois Paulo afirmou posteriormente: "Dou graças ao meu Deus, porque falo mais línguas do que vós outros" (1 Co 14.18).


Evidência Convincente

Em certa ocasião, a evidência da plenitude do Espírito, ou do batismo com o Espírito Santo, tornou-se de grande valia. Nenhum outro preconceito, nenhuma outra barreira à comunhão nunca foi tão grande como à que existia entre os judeus e os gentios. Embora Jesus tivesse preparado seus discípulos para a divulgação do Evangelho em todas as nações, e dado ordens nesse sentido, eles, segundo parece, entendiam que se tratava apenas dos judeus espalhados entre as nações. O preconceito de Pedro era tão grande, que o Senhor lhe repetiu uma visão três vezes, a fim de torná-lo sensível à voz do Espírito para entrar na casa do centurião romano, Cornélio (Atos 10.16,19).

Pedro sabia que tal fato não seria aceito por seus companheiros, de Jerusalém. O tornar-se cristão nunca remove imediatamente os preconceitos. Então, convidou seis cristãos judeus como testemunhas (10.23; 11,12).

Enquanto ele pregava, o Espírito Santo desceu sobre todos, estando presentes os amigos e os parentes de Cornélio. Os companheiros de Pedro ficaram atônitos, porque o dom do Espírito Santo era concedido também aos gentios (10.45). A evidência que os convenceu foi que "os ouviam falar línguas, e magnificar a Deus".

Pedro não se enganara quanto à recepção dele em Jerusalém. Tão logo retornou, muitos o criticaram, por ele ter entrado na casa de um gentio e sentado à mesa, onde lhe serviram alimentos impuros (11.3). Pedro contou, então, que o Espírito Santo veio sobre os gentios como também sobre eles no princípio. Enfatizou, também, que se tratava do cumprimento da promessa de Jesus, de que batizaria com o Espírito Santo sem acepção de pessoas. Era, na realidade, o dom idêntico ao que eles tinham recebido (11.15-17).(24) Com isso, os de Jerusalém cessaram suas objeções, e reconheceram que "até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida" (11.18).

Mediante esta evidência, Pedro, então, afirmou: "Pode alguém porventura recusar a água, para que não sejam batizados estes, que também receberam como nós o Espírito Santo?" (10.47). Alguma coisa demonstrou que aquele acontecimento era idêntico ao que se registrou em Atos 2.4, antes dos cristãos em Jerusalém se darem por satisfeitos. Pedro não disse: "Espero que tenham recebido o derramamento, a experiência transbordante do Pentecoste"; "Os gentios o aceitaram pela fé, de modo que acho que o receberam, creio que receberam". Ele sabia que tinham recebido a plenitude, não porque eles testificavam, mas por causa da manifestação do Espírito Santo através deles. O Espírito Santo ofereceu a evidência: "Falavam em línguas, e magnificavam a Deus" (exatamente como em Atos 2.4,11).

Obviamente, o falar em línguas foi a evidência convincente. E nestes dias em que vivemos, quando tantas pessoas buscam, esperam, crêem, e depois duvidam do recebimento do batismo no Espírito, talvez ainda seja necessária uma evidência maior!

Há, no entanto, outros pormenores na interpretação desse trecho.

Alguns supõem que o fato de o Espírito Santo descer sobre os gentios, enquanto Pedro ainda pregava, significa que a sua experiência de conversão e derramamento do Espírito Santo era idêntica à do Pentecoste. Já notamos, no entanto, que em Jerusalém e Samaria, os que receberam o dom já eram crentes antes de o Espírito Santo ter sido derramado sobre eles. Posto que Pedro identifica o que aconteceu na casa de Cornélio como o dom do Pentecoste, deve haver alguma distinção entre sua conversão e o dom do Espírito Santo.

A solução se acha em Atos 10.36,37. A palavra que Cornélio e seus amigos conheciam a respeito de Jesus tinha sido divulgada por todaaJudéia. "Vós" (v.37)é enfático. Isso parece indicar que esses mesmos gentios conheciam os fatos a respeito de Jesus, que incluiriam a promessa do Espírito Santo. A palavra de Deus prometida a Cornélio, por intermédio de Pedro, não era simplesmente o Evangelho, mas as boas-novas "de que todos os que nele [em Cristo] crêem, receberão o perdão dos pecados pelo seu nome" (10.43).

Alguns acreditam que Cornélio não somente conhecia o Evan­gelho, mas também desejava aceitar a Jesus. Porque o Evangelho era pregado somente aos judeus, é possível que ele tenha desejado converter-se ao Judaísmo, a fim de, posteriormente, tornar-se cris­tão. Quer seja assim, quer não, fica claro que ele conhecia o Evan­gelho. Fica claro, ainda, que Deus, através de um anjo, o deixou preparado para aceitar a mensagem que Pedro traria (10.22,30-33). Isso significa, também, que os corações desses ouvintes estavam receptivos para acolher o que Deus preparara para eles. Em uma fração de segundo, creram e foram salvos. Em outro breve momento, receberam o derramamento, que Pedro entendeu ser o batismo com o Espírito Santo. Logo, embora não houvesse um longo período de tempo, tudo indica que foram dois eventos separados.

Pedro, no Concilio de Jerusalém (Atos 15.8), informou que o dom do Espírito Santo foi a maneira de Deus dar testemunho dos gentios. Isso subentende que já eram convertidos. O batismo com o Espírito Santo testificou quejá eram crentes. Atos 15.9 menciona que Deus purificara os seus corações pela fé. Mas o propósito de Pedro, ao mencionar esse fato no fim do seu relato, não era o de indicar a ocasião em que aconteceu, mas para lhe dar ênfase. A questão em pauta em Atos 15.9 era a da necessidade de os gentios guardarem a Lei e serem circuncidados; por isso Pedro não estabelece um relato cronológico dos eventos.

Outros supõem que Atos 10.47 indica que a água era necessária para completar a experiência. Mas os seus corações foram purifi­cados pela fé, e não pela água (Atos 15.9).(25) O batismo nas águas, aqui referido, era tanto um reconhecimento pela Igreja de que Deus aceitara esses gentios, como um testemunho diante do mundo de que eles realmente se tornaram membros da Igre-ja.(26) Assim, pelo Espírito Santo, a barreira foi rompida. Os gentios eram agora membros da Igreja em pé de igualdade com os judeus.(27)

Alguns problemas, quando estão ligados a preconceitos, tendem, porém, a surgir. A conferência de Jerusalém se tornou necessária, quando os judeus cristãos voltaram a impor restrições aos gentios e à sua salvação. Mas quando Pedro relembrou a obra do Espírito Santo em Cesaréia; Paulo e Barnabé testificaram a respeito do que Deus realizava entre os gentios, e Tiago transmitiu a palavra de sabedoria no Espírito Santo, os crentes concordaram (Atos 15.8,9,12-29). A presença do Espírito Santo no meio deles foi suficiente para a solução de quaisquer problemas, e estavam dispostos a atribuir a Ele o crédito por isso (Atos 15.28). (28)


Recebestes vós já o Espírito Santo?

Em Éfeso, falar noutras línguas é mencionado em conexão com certos discípulos que Paulo encontrou ali (Atos 19.1-7).

Embora o livro de Atos quase sempre use a palavra discípulo no sentido de um seguidor de Jesus, um cristão, Paulo sentia que, nesse caso, faltava algo. Sem dúvida, esses homens professavam ser seguidores de Jesus. Porém, Paulo lhes perguntou se tinham recebido o Espírito Santo "depois de terem crido".

A maioria das versões bíblicas registra que se deve traduzir: "quando crestes". O grego diz literalmente: "tendo crido, recebestes?" O crer, em grego, é um particípio passado; enquanto que receber é o verbo principal. Posto que o particípio freqüentemente revela seu relacionamento com o verbo principal, o fato de crer estar no tempo passado significa que antecedia o receber, "depois de terem crido" (trad. ingl. King James).

Muitos estudiosos da língua grega afirmam, no entanto, que o particípio aoristo freqüentemente indica uma ação que ocorre ao mesmo tempo que a do verbo principal, especialmente se este também estiver no aoristo, como em 19.2. Dunn vai além, ao declarar que o particípio aoristo, que indica ação anterior ao recebimento, só demonstra seu domínio inadequado da gramática grega (inclusive os tradutores da King James).(29)

Dunn chama a atenção às expressões "respondeu e disse", que realmente são idiomáticas e não esclarecem a interpretação de outros trechos. Alguns outros exemplos que ele oferece realmente demonstram que a ação do particípio e do verbo principal ocorrem ao mesmo tempo. Outros exemplos não parecem ser tão conclusivos. Hebreus 7.27 realmente parece dizer: "Isto fez ele, uma vez, tendo oferecido a si mesmo"; isto é: quando se ofereceu a si mesmo. Mateus 27.4: "Pequei, traindo o sangue inocente", parece ser coincidente, mas o uso não é o mesmo que em Atos 19.2.0 pecado é definido como traição. É difícil imaginar que o receber o Espírito Santo é definido como crer em Atos 19.2, especialmente porque outros trechos indicam que o recebimento envolve um derramamento específico do Espírito.

Outro trecho usado por Dunn é 1 Coríntios 15.18: "Tendo dormido em Cristo, estão perdidos". Paulo, no entanto, não afirma que o estar perdido é a mesma coisa que o dormir. Pelo contrário, o dormir seria seguido pela perdição, se Jesus não ressuscitasse. Dunn também entende que Atos 1.8 é ação coincidente: "Recebereis a virtude, tendo vindo sobre vós o Espírito Santo". Em certo sentido, é possível que o poder tenha vindo com o Espírito Santo, que é considerado o poder. Mas o mesmo, no livro de Atos, surge quando há necessidade dele. Logo, é o resultado da vinda do Espírito Santo, ao invés de ser a mesma coisa.

Outro exemplo é Atos 10.33: "Bem fizeste, tendo vindo". "Ter vindo" define aquilo que Cornélio queria dizer por "fazer bem". Mas "tendo crido" define o que Paulo queria dizer por "receber o Espírito"? Além disso, Atos 27.3 está longe de ser tão coincidente como Dunn quer que creiamos. Seria melhor traduzido: "Júlio, tendo tratado Paulo com hospitalidade, lhe permitiu ir ver os amigos". Parece provável que houve hospitalidade antes da permissão de visitar os amigos.

Dunn ignora outros exemplos que são ainda menos coincidentes. Ao falar a respeito de sete irmãos (Mateus 22.25), os saduceus disseram do primeiro: "tendo casado, morreu". Obviamente, o texto não quer dizer que casar-se e morrer são a mesma coisa, nem que aconteceram ao mesmo tempo. Eram eventos distintos entre si, e o casamento antecedeu a morte, provavelmente por algum tempo.

Semelhantemente, Atos 5.10 diz [lit.]: "tendo levado a ela [Safira], sepultaram-na". Mais uma vez, levar para fora não era a mes­ma ação do enterrar. O enterrar seguiu ao levar para fora, numa simples seqüência histórica. Eram, no mínimo, dois eventos distintos entre si, embora não houvesse um longo período de tempo entre eles.

Outros exemplos se acham em Atos 13.51: "Tendo sacudido contra eles o pó dos seus pés, partiram para Icônio" [lit.]; 16.6: "E passaram pela Frígia e pela província de Galácia, tendo sido impedidos pelo Espírito Santo de anunciar a palavra na Ásia" [lit.]; 16.24: "O qual, tendo recebido tal ordem, os lançou no cárcere interior". Nesses casos, e em muitos outros, a ação do particípio antecede a ação do verbo principal.

Sendo assim, embora haja casos em que a ação do particípio aoristo esteja coincidente com aquela de um verbo aoristo, essa não é uma concepção aceitável. A impressão dada por Atos 19.2 é que, visto que esses discípulos alegavam ser crentes, o batismo com o Espírito Santo deveria ter sido o passo seguinte, um passo distinto depois do ato de crer, embora não necessariamente separado deste por um longo período.

A resposta desses discípulos: "Nós nem ainda ouvimos que haja Espírito Santo". O significado, no entanto, não parece ser que nun­ca ouviram falar na existência do Espírito Santo. Que judeu pie­doso ou gentio interessado poderia ter sido tão ignorante? É mais provável que a expressão seja comparável com João 7.39. Ali, a frase está condensada: "Ainda não era Espírito" [lit.]; significa que a era do Espírito Santo com o derramamento prometido ainda não chegara. Sendo assim, esses discípulos afirmavam que não sabiam da disponibilidade do batismo com o Espírito Santo.(30) Na realidade, vários manuscritos e versões do Novo Testamento dizem: "Nem ainda ouvimos que alguns já estão recebendo o Espírito Santo".

Paulo, então, descobriu que esses discípulos foram batizados com o batismo de João que era apenas preparatório. Diante disso, foram batizados no nome (no serviço e na adoração) do Senhor Jesus. Depois, "as mãos de Paulo tendo sido impostas sobre eles, veio-lhes o Espírito Santo; e começaram a falar línguas e a profetizar" [lit.].

É melhor entender aqui, também, que a imposição das mãos era um meio de encorajar a fé deles, e que precedia a vinda do Espírito Santo, e era uma ação separada. Em seguida, para enfatizar que es­ses discípulos tinham recebido a plena experiência do batismo com o Espírito Santo, Lucas declara que falavam em línguas e profe­tizavam. (O verbo grego talvez subentenda que falavam assim).


Guiado pelo Espírito

Uma das evidências mais importantes da obra do Espírito Santo, tanto na Igreja como nas vidas dos indivíduos, era a maneira de o Espírito guiá-los. Vários incidentes na vida de Pedro e Filipe já foram mencionados. Mas a orientação do Espírito Santo destaca-se ainda mais nas experiências do apóstolo Paulo.

A palavra dada aos líderes em Antioquia era muito específica (Atos 13.1-4). Esses homens eram profetas e mestres, usados e dotados pelo Espírito Santo, homens que edificavam a igreja, tanto espiritual como numericamente. Porque tinham consciência das suas necessidades espirituais, bem comodas da igreja, costumavam dedicar, juntos, tempo ao jejum e à oração. Sabiam que deviam ministrar ao Senhor (permanecer diante dele em intercessão e na busca da sua presença e poder) para poderem ministrar ao povo.

Numa dessas ocasiões, o Espírito Santo falou (através da palavra profética). Ele ordenou que fossem separados Saulo e Barnabé para a obra que designara. Então, depois de jejuarem e orarem, os despediram. O versículo 4 enfatiza que foram enviados pela intervenção do Espírito Santo. O motivo da profecia foi que Paulo e Barnabé já haviam aceitado responsabilidades alusivas à igreja em Antioquia. Não era preciso o Espírito Santo convencê-los a irem; a igreja é que devia deixá-los ir. Os líderes, ao imporem as mãos sobre eles, fortaleceram sua fé e demonstraram que a igreja os apoiaria em oração. Mas não lhes disseram para onde deviam ir. O próprio Espírito Santo ordenou que fossem para Selêucia e, depois, para Chipre.

Posteriormente, Paulo reconheceu que os presbíteros estavam no mesmo nível dos apóstolos. O Espírito Santo os constituiu bis­pos ("superintendentes", pastores das igrejas locais) para apascen­tar (pastorear, alimentar) a igreja [assembléia] de Deus. Eles, tam­bém, tinham seu ministério e sua vocação dirigidos pelo Espírito Santo. De igual modo, Ele era a fonte dos dons administrativos que necessitavam para dirigirem a igreja (1 Coríntios 12.28).


Constrangido pelo Espírito Santo

Ser dirigido pelo Espírito Santo significa mais do que desfrutar da liberdade, da ousadia e das vitórias que Ele concede. Acima de tudo, não há liberdade para as expressões egoístas ou arbitrárias da nossa própria vontade.(31) Pelo contrário, os que são chamados e dirigidos pelo Espírito Santo, poderão descobrir que não somente são libertos pelo Espírito, como também se tomam (voluntariamente) seus prisioneiros. Aceitam os limites e restrições que Ele estabelece. Reconhecem que Ele sabe o que faz, e que as restrições são necessárias para os seus propósitos.

Um exemplo notável se acha durante a segunda viagem missionária de Paulo. O Espírito proibiu a Paulo, juntamente com Silas e Timóteo, de falar a Palavra na província romana da Ásia. É provável que também se tratas se de uma expressão verbal profética, posto que o texto grego indica uma ordem direta do Espírito Santo. Imaginemos o impacto que esta ordem teve sobre o apóstolo que dizia: "Ai de mim, se não anunciar o evangelho!" (1 Co 9.16).

Na realidade, Deus deu a Paulo, na sua terceira viagem missionária, um grandioso ministério na província da Ásia. Desta vez, porém, Deus tinha uma outra direção para ele seguir. Mesmo assim, o Espírito Santo não lhe deu orientação certa. De modo que Paulo continuava pelo caminho que estava diante dele. Ao chegarem próximo de Mísia, tornou-se necessária a tomada de uma decisão. A estrada para o norte brevemente chegaria ao fim. Posto que ainda não havia uma direção do Espírito Santo, Paulo voltou-se para o leste, e pretendia (tomando passos específicos) ir para a Bitínia. Foi então que o Espírito de Jesus [conforme dizem vários manuscritos antigos] orientou-o. Mais uma vez, foi mediante a recusa específica de deixá-los ir naquela direção (Atos 16.6-8).

Paulo, então, voltou seus passos ao oeste, em direção à Europa, somente porque o Espírito Santo o impedia de ir em qualquer outra direção. Em Trôade, encontrava-se no lugar onde o Senhor podia lhe dar outra orientação, mediante a ida para a Macedônia. Os obstáculos do Espírito Santo prepararam Paulo a aceitar isso como a vontade do Senhor. Na Macedônia, Paulo não duvidava que o Senhor o enviara, nem sequer quando foi encarcerado em Filipos (Atos 16.9,25).

Quando ele fez sua última viagem a Jerusalém, foi "constrangido pelo Espírito" (Atos 20.22 - trad. ingl. New International Version). Ir a Jerusalém não era seu desejo pessoal. Queria ir a Roma e, depois, seguir viagem até a Espanha (Romanos 1.10-13; 15.23,24). Mas foi conduzido pelo Espírito Santo a Jerusalém. Esse mesmo verbo é usado a respeito de presos. Posteriormente, Paulo foi a Roma, acorrentado, como prisioneiro do governo romano (embora ele sempre se considerasse um prisioneiro de Cristo). Mas nessa ocasião em pauta, era mesmo um prisioneiro do Espírito Santo que o levou a Jerusalém, a fim de entregar aos cristãos locais uma oferta das igrejas na Macedônia e na Grécia (Romanos 15.25-27).

Isso não queria dizer que Paulo estivesse indisposto a ir, embora o Espírito Santo testemunhasse, de cidade em cidade, que prisões e perseguições o esperavam. Paulo não seria demovido do seu propósito de obedecer a Deus. Antegozava completar com alegria a sua carreira (Atos 20.23,24).

Maiores detalhes de como o Espírito Santo testificava são apresentados no capítulo seguinte de Atos. Em Tiro, enquanto o navio era descarregado, Paulo e seus amigos passaram sete dias com os cristãos locais. Eles, "pelo Espírito", diziam a Paulo que não subisse a Jerusalém (21.4). Aqui, porém, a palavra grega traduzida "pelo" não é a mesma usada nos trechos anteriores para traduzir a atuação direta do Espírito Santo. Pode significar "uma conseqüência do Espírito", ou "por causa do que o Espírito dissera". O próprio Espírito Santo certamente não proibia Paulo de seguir viagem. (32) Ele constrangia Paulo a ir. Ele não contradiz a si mesmo.

Os detalhes do que aconteceu em Cesaréia, o próximo porto onde Paulo desembarcou, esclareceram o cenário (Atos 21.10-14).

O profeta Agabo desceu de Jerusalém, tomou o cinto de Paulo, e usou-o, para transmitir a mensagem do Espírito Santo de que Paulo seria amarrado pelos judeus em Jerusalém e entregue aos gentios. Por causa dessa profecia, todos rogaram que ele não prosseguisse a viagem. Sem dúvida, foi o que aconteceu em Tiro. As pessoas, ao ouvirem a mensagem do Espírito Santo, expressaram seus próprios sentimentos para que Paulo não fosse.

Ele, no entanto, declarou que estava disposto, não somente a ser amarrado, mas até mesmo morrerem Jerusalém, por amor ao nome do Senhor Jesus. Paulo sabia que a vontade de Deus era que ele fosse. Finalmente, disseram: "Faça-se a vontade do Senhor". Isto é: reconheciam que realmente era da vontade de Deus que ele continuasse a viagem.

Era, na realidade, importantíssimo que os cristãos soubessem que era da vontade de Deus que Paulo fosse amarrado. Ainda havia judaizantes que se opunham ao evangelho que ele pregava, e que queriam obrigar os gentios a se tornar judeus antes de se tornarem cristãos. Diziam, com efeito, que os cristãos gentios não eram realmente salvos.

Se Paulo tivesse ido a Jerusalém sem essas advertências, e sem conscientizar as igrejas sobre o que estava para acontecer, os judaizantes poderiam ter entendido que a prisão dele era um castigo divino. Assim, poderia ter surgido muita confusão nas igrejas. Mas o que realmente aconteceu foi que o Espírito Santo, em tudo isso, testificava de Paulo e do evangelho que ele pregava. Ao mesmo tempo, a própria Igreja foi protegida das forças divisionárias. O Espírito Santo é, na verdade, o Guia e Protetor que a Igreja necessita.

O livro de Atos enfatiza, portanto, que o Espírito Santo, pela própria natureza das coisas, está intimamente ligado com todos os aspectos da vida da Igreja e dos cristãos. Jesus é o Salvador. Jesus é o que batiza, cura. Jesus é o Rei Vindouro. Mas é o Espírito Santo que no-lo revela e opera em nós tudo quanto Ele prometeu que faria. Somos batizados com o Espírito Santo, revestidos pelo poder do Espírito, discipulados pelo Espírito, orientados e refreados pelo Espírito. E nada disso é restrito aos apóstolos ou aos demais líderes. No livro de Atos, cada crente é uma testemunha. Cada crente tem a plenitude. Cada crente tem a alegria do Senhor. Que quadro maravilhoso do que a Igreja deve ser!

domingo, 3 de agosto de 2014

AVIVAMENTO NA CHINA E NEY YORK

                      

                              O Segredo de John Hyde



Por: John Hyde
Meu pai era um pastor presbiteriano, e minha mãe, uma cristã muito dedicada com uma linda voz consagrada ao Senhor. Quando jovem, decidi que seria um missionário, um missionário que se sobressaísse. Eu queria brilhar como missionário extraordinário. Terminei meu curso universitário e me saí muito bem. Formei-me e me senti um tanto orgulhoso do título “bacharel” que agora constava depois do meu nome.
Estava determinado a dominar os idiomas indianos que teria de aprender; pois não queria que nada, absolutamente, servisse de empecilho para que eu me tornasse um grande missionário. Era essa minha ambição. Talvez não fosse um desejo totalmente carnal, mas em grande parte era. Eu amava o Senhor e queria servi-lo – e servi-lo de forma extraordinária –, no entanto meu ego estava na raiz da minha ambição.
Meu pai tinha um grande amigo, um colega pastor, cujo imenso desejo de ser missionário nunca fora realizado. Ele tinha grande interesse em mim e estava encantado que o filho do seu grande amigo tinha planos de ir à Índia como missionário. Ele me amava, e eu também o amava e admirava.
No dia em que subi a bordo do navio em Nova York, para empreender a missão da minha vida na Índia, encontrei no meu camarote uma carta endereçada a mim. Reconheci a caligrafia desse amigo do meu pai. Abri a carta, que não era muito grande, e encontrei, em síntese, a seguinte mensagem: “Não deixarei de orar por você, caro John, enquanto não estiver cheio do Espírito Santo”.
As palavras mexeram com meu orgulho, e fiquei muito bravo. Amassei a carta e joguei-a num canto do camarote. Subi ao convés do navio com espírito muito agitado. Imagine só que absurdo: implicar que eu não estava cheio do Espírito! Aqui estava eu, embarcando como missionário, determinado a ser um excelente missionário – e ele tinha a coragem de insinuar que eu não estava equipado adequadamente para a obra!
Andei agitado para cima e para baixo naquele convés, uma batalha ardendo no meu interior. Senti um enorme desconforto. Eu amava o homem que me escrevera aquele bilhete. Sabia da vida santa que levava, e, lá no meu íntimo, desconfiava que ele podia estar com a razão: eu não tinha mesmo condições de ser missionário.
Depois de algum tempo, voltei para o camarote e fiquei de joelhos para procurar a carta amassada. Peguei-a do chão e alisei-a; li o conteúdo novamente, vez após vez. Ainda me senti irritado pelas palavras, porém a convicção crescia dentro de mim de que esse homem estava certo e eu, errado. Esse processo continuou durante dois ou três dias, deixando-me completamente agoniado. Tudo isso nada mais era do que a bondade do Senhor atendendo às orações do amigo do meu pai, que certamente havia batalhado em oração e tomado posse da vitória em meu favor.
Finalmente, quase em desespero, clamei ao Senhor para me encher com o Espírito Santo. No mesmo instante, parecia que as nuvens escuras haviam desaparecido por completo. Pude ver a mim mesmo e a minha ambição egoísta. Tive uma batalha até o final da minha viagem no navio, mas, bem antes de chegar ao meu destino, decidi firmemente que, fosse qual fosse o preço, eu realmente precisava ser cheio do Espírito.
O segundo momento culminante foi quando senti desejo de dizer ao Senhor que estava disposto até a ser reprovado nos meus exames nos idiomas na Índia e a ser um missionário trabalhando em silêncio e anonimato; que eu faria qualquer coisa e seria qualquer coisa, mas precisava receber o Espírito Santo a qualquer custo.
Num dos primeiros dias na Índia, enquanto estava hospedado com um outro missionário experiente, saí com ele para um culto ao ar livre. O missionário pregou, e fui informado de que ele estava falando a respeito de Jesus Cristo como o Salvador que liberta do pecado.
Depois de terminada a pregação, um homem com aparência ilustre, falando bom inglês, perguntou ao missionário se ele mesmo já tivera tal experiência de salvação do pecado. A pergunta foi direto ao meu coração, porque, se a mesma pergunta tivesse sido dirigida a mim, eu teria sido obrigado a confessar que Jesus ainda não me salvara totalmente, já que ainda havia pecado na minha vida. Reconheci que teria sido uma terrível desonra ao nome de Cristo se eu fosse obrigado a confessar que estava pregando Jesus, proclamando aos outros que era um Salvador perfeito, enquanto eu mesmo não estava liberto.
Voltei ao meu quarto e me tranquei lá dentro. Disse para o Senhor que teria que acontecer uma de duas coisas: ou ele me libertava de todos os meus pecados, especialmente daquele que me atormentava constantemente, ou eu teria de voltar para minha terra e buscar uma outra atividade lá. Declarei que não podia ficar diante das pessoas para pregar o Evangelho enquanto eu mesmo não pudesse testemunhar do seu poder e eficácia na minha vida.
Fiquei lá durante algum tempo, enfrentando essa questão e reconhecendo que era extremamente razoável que tomasse tal posição. O Senhor me assegurou que era capaz e desejoso de me libertar de todo o pecado e que realmente era sua vontade que eu estivesse na Índia. E, de fato, ele me libertou de tal forma que nunca mais duvidei da sua obra completa. Posso agora ficar diante de quem quer que seja e testemunhar, sem hesitar, da vitória que recebi. É meu prazer hoje testificar desse fato e contar a todos da maravilhosa fidelidade de Cristo meu Senhor e Salvador.
John Hyde (1865-1912) foi missionário durante quase vinte anos na Índia. Foi chamado “O Homem que Orava”, pois a oração passou a ser sua ocupação principal. Suas orações produziram resultados impressionantes: um avivamento em 1910 na Índia e muitas conversões diárias. 

 

 

  

                         Arrependimento na China


                 Por: Jonathan Goforth (1859-1936
) 
Jonathan Goforth foi missionário na China, junto com sua esposa Rosalind Goforth, de 1888 a 1934. Durante a Rebelião Boxer de 1900, ele e sua família foram milagrosamente salvos da morte e conseguiram escapar. Quando retornaram depois, Deus os usou poderosamente em evangelismo e avivamentos na China.
A comunidade cristã em Shinminfu fora terrivelmente perseguida durante a rebelião Boxer de 1900 na China. Cinqüenta e quatro pessoas foram  martirizadas. Aquelas que sobreviveram prepararam uma lista com 250 nomes das pessoas que participaram, de alguma maneira, no massacre. A idéia era de que, um dia, elas conseguiriam vingar-se dos assassinos.
Estávamos no meio de um avivamento nessa mesma cidade, alguns anos depois. No quarto dia das reuniões, à tarde, chegamos a um ponto crítico. Tive a sensação de que era uma testemunha num cenário de julgamento. Após três horas de reunião, dei a bênção para tentar despedir o povo.
Imediatamente, surgiram clamores de todas as partes da congregação. “Por favor, tenha piedade de nós e permita que a reunião continue. Não temos conseguido dormir há várias noites, e assim será esta noite também se você não nos der uma chance de nos livrarmos de nossos pecados.”
Pedi a uma missionária que levasse as senhoras e as garotas para a ala feminina da escola e ficasse lá com elas até as coisas se acalmarem. Não vi nenhuma outra possibilidade de levar a reunião a um encerramento.
Enquanto as senhoras e as garotas saíam uma por uma, um dos evangelistas veio para a frente e ajoelhou-se. Ele confessou vários pecados, aparentemente de forma bem sincera, porém a carga que visivelmente pesava sobre sua consciência não parecia ter sido aliviada em nada.
“Já que você confessou seus pecados”, eu disse para ele, “Deus é fiel e justo para perdoar-lhe de todos e para purificá-lo de toda injustiça. Vá em paz.”
“Mas não confessei o pior de todos”, ele exclamou em lágrimas. “Eu não quero perdoar.”
“Então, evidentemente Deus não pode perdoar você”, respondi.
“É impossível, humanamente, que eu perdoe”, ele explicou angustiado. “No tempo dos Boxers, um homem veio e assassinou meu pai. Desde então, senti que era minha obrigação vingar-me de sua morte. Faz poucos dias que um amigo me escreveu dizendo: ‘Onde está sua lealdade de filho? Seu pai foi assassinado, e você continua sem vingá-lo. Você nem é digno de ser meu amigo’. Assim, eu não posso perdoar àquele homem. Preciso destruí-lo.”
“Receio dizer-lhe, então”, eu disse, “que a Palavra de Deus é muito clara quando afirma que o Senhor tampouco perdoará a você.”
Depois disso, ele não respondeu mais nada, porém continuou ali de joelhos, chorando.
Em seguida, um garoto, aluno da escola, levantou-se e disse: “Em 1900, os Boxers vieram à minha casa e mataram meu pai. Durante todos esses anos, sempre achei que não havia outro caminho a seguir, a não ser vingar aquele mal depois que eu me tornasse homem. Agora, porém, nesses últimos dias, o Espírito Santo me fez sentir tão incomodado que não consigo comer ou dormir ou fazer outra coisa. Sei que ele está instando comigo para perdoar aos assassinos por amor de Jesus. Por favor, orem por mim.”
Um outro moço contou como seu pai, sua mãe e seu irmão mais velho também foram mortos pelos Boxers. No total, nove garotos foram à frente aquele dia para contar como pais, mães, irmãos e irmãs haviam sido assassinados diante de seus olhos, e como desde então eles haviam vivido na esperança de que um dia conseguiriam vingar essas mortes. Mas todos confessaram que estavam se sentindo muito mal, profundamente incomodados e sem paz, e pediram que orássemos por eles a fim de que tivessem graça para perdoar àqueles que lhes haviam feito tanto mal.
Depois que as senhoras e garotas saíram, a reunião continuou por mais duas horas e meia. Houve uma corrente ininterrupta de confissões até o fim. E durante todo esse tempo, o evangelista que não conseguia perdoar estava ajoelhado ali na frente, chorando. No final da reunião, ele finalmente se colocou em pé e olhou para a congregação. Seu rosto estava cansado e angustiado.
“Já tomei minha decisão”, ele bradou. “Não vou descansar enquanto não matar o homem que assassinou meu pai.”
Achei que nunca mais o veria.
Quando voltei para o auditório das reuniões, porém, no dia seguinte, lá estava ele perto da plataforma, com o rosto brilhando como a luz da manhã. Ele pediu minha permissão para dizer algumas palavras antes de iniciar a pregação.
Virando-se para o grupo de alunos, ele disse: “Eu queria convidar os garotos que confessaram ontem e pediram graça para perdoar aos assassinos de seus pais e familiares para que viessem aqui à frente, por favor.”
Os nove rapazes saíram de seus lugares e ficaram enfileirados à frente da congregação.
Eu ouvi suas confissões ontem à noite, garotos”, o evangelista começou. “Ouvi vocês dizerem que estavam dispostos a perdoar àqueles que mataram seus familiares. Depois vocês me ouviram, um líder na igreja, declarar que eu não poderia perdoar e que não descansaria enquanto não tivesse me vingado do homem que matou meu pai.
Quando cheguei em casa depois da reunião, pensei em como o diabo tiraria proveito do meu exemplo para tentar ridicularizar vocês na posição que tomaram. As pessoas diriam que vocês são jovens demais para conhecer a própria mente ou coração. Olhariam para mim como um homem inteligente que certamente conhecia o próprio coração e diriam: ‘É claro que ele não acredita naquela conversa tola sobre perdoar seus inimigos’.
Portanto, a fim de que o diabo não tire proveito para induzi-los a andar no caminho errado, eu comprei estes nove hinários que vou dar de presente a vocês, na esperança de que, cada vez que os abrirem para louvar a Deus com os hinos nestas páginas, vocês se lembrem de como eu, um evangelista, recebi a graça de Deus para perdoar ao assassino do meu pai.
Logo em seguida, a lista contendo os nomes das pessoas contra quem os cristãos haviam planejado se vingar foi apresentada, na frente da congregação, e foi rasgada em pedaços pequeninos, para serem jogados fora e esquecidos para sempre.

 

fonte o arauto da sua vinda